quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Acontece

Sabe quando você come e não sente o gosto? Está tomando banho e deixa a água bater em suas coisas durante horas a fio? Estava assim – apático, cansado, derrotado. Ela havia ido, fora para bem longe, sem prazo de volta. Não tinha avião, barco ou ônibus partindo para que ao menos eu fosse correr até lá e pegá-la para mim. Ela se fora, a pé, de volta pra casa, a duas ruas de distância. Um universo a nos separar.

Era domingo, um daqueles domingos vazios e tediosos. A família viajara, estava só. Sentia-me como uma criança perdida num parque de diversões. Mas de divertido aquilo não tinha nada, nem ao menos aparência. Mantive a casa fechada, escura. Não só a casa: mantive a mim mesmo fechado e sombrio.

O telefone toca, a espinha gela. Tremo só de pensar em ouvir aquela voz de rosa novamente falando “Luis, Luis, fica comigo, eu te amo!”. Talvez a parte do ‘fica comigo’ fosse até desnecessária, com um ‘eu te amo’ eu já iria a lua e voltava. Na verdade, me contentaria somente com sua voz. Atendo. Dou um suspiro. (In)Felizmente era somente minha mãe dando recomendações daquelas que se ouve todo dia e não se aprende nunca.

Minha frustração me deixou melancolicamente feliz. Não restara raiva, apenas continuava amando-a. Muito. Ansiava por ouvir sua voz, sentir seu cheiro.

Era baixa e tímida, revelando a mesma doçura que sua voz já denunciava. Só era assim, tão doce, aos olhos alheios. Sua doçura aparente não a transformara em alguém trouxa e calma, ela era uma mulher forte, animada, com seus valores bem definidos, nervosinha e briguenta. Gostava de futebol e da vida que levava quando ia aos bares beber cerveja com os amigos. Mas nem por isso deixava de ser tão feminina. Demonstrava isso num olhar, num estado momentâneo sentimental. Sempre meio Clara.

Enquanto mantinha-me submerso em minhas lembranças, a campainha tocou. Atendi a porta do jeito que estava: largado, com cara de sono e samba-canção. Nada mais me importava, só Clara. E ela já tinha me visto acordando com essa samba-canção muitas vezes. Abri a porta. Era uma moça.

Por um momento senti-me envergonhado. Meus cabelos desgrenhados, a remela no olho e a samba-canção denunciam a derrota de um derrotado. E ela ali, parada na minha frente, com um sorrisinho no rosto. Pedia-me açúcar. Com vergonha e confuso, a fiz entrar.

Não tinha reparado em seu jeito. Era baixinha, talvez mais que Clara, cabelos escuros, estilo mignon. Seus olhos escuros davam um charme maior do que se fossem verdes. Ela observava o ambiente enquanto esperava o açúcar com um potinho na mão.

-Perdão, mas o que faz aqui no escuro? O céu está tão lindo lá fora
-Decepção, coisas da vida.

Ela riu abaixando a cabeça. Um risinho sem graça. Seu olho virara um mar. Olhou bem a fundo de meus olhos.

-Desculpe, não pude evitar. A vida é, realmente, estranha. E o açúcar?

Entreguei-a o que havia pedido. Ela foi embora, e, ao virar o corredor, deu um tchauzinho em sinal de agradecimento, olhando bem em meus olhos, com os olhos ainda encharcados. Ela tinha algo de Clara.

Acontece.