quinta-feira, 14 de abril de 2011

A melhor história pode não ser nossa

A primeira coisa que ele fazia quando chegava em casa era cozinhar um milho, fechar as cortinas e comer no escuro. Gostava quando seu telefone tocava e espera alguns toques antes de atender. Precisava tomar um banho antes de dormir. Tinha guardado uma coleção de moedas antigas que ficava em uma caixa com os sapatos. Gostava mais da mãe do que do pai, mais de doce do que sal, mais de sorte do que Deus.
Quinta feira saiu do prédio e viu uma confusão na esquina. Quando chegou havia uma senhora desesperada, fazendo perguntas que ele não conseguia escutar para um médico. Aproximou-se da porta do hospital e escutou a palavra “filho” em meio aos gritos da mulher. Sentiu um desespero momentâneo, a emoção da senhora passou para ele por alguns segundos. Como se aquela mulher o chacoalhasse e lhe desse um leve choque. Foi um momento fora da sua vida, como se pudesse viver a vida de outro, mas só um sentimento, sem associações, sem contexto, só um sentimento, puro e simples. E de outro. Saiu um menino do hospital numa maca, entrou na ambulância a mãe entrou atrás e a ambulância seguiu.
Ele foi comprar a peça da pia, que novamente tinha quebrado, na loja de ferragens na esquina, carregando aquele sentimento até onde pôde lembrar-se dele.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Perdão

Querido, perdoe-me. Perdoe-me pelos fios de cabelos suicidas em teu quarto; pelos omeletes que te fiz fazer; pelas noites dormidas de mal jeito porque estava, ainda, na sua casa. Pelas minhas roupas que tirei de teu armário; pelo atraso do caminhão; pelo meu cheiro que cisma em ficar em teu travesseiro - e em ti, já que nossos corpos estavam mais entranhados do que o possível para que o cheiro no travesseiro fosse maior.

Querido, perdoe-me. Perdoe-me pelas fotos não tiradas e pelo sumiço daquelas poucas reveladas, que por acaso caíram naquela panela que eu fervia a água, esperando o caminhão. Havia momentos em que eu necessitava caminhar com minhas próprias pernas e sem ninguém por trás, para que eu pudesse ser quem eu era - até para voltar para você como a menina que te encantou. Mas tinham momentos em que eu queria era queimar todas as minhas lembranças de você e deixa-lo sufocando na fumaça.

Querido, perdoe-me. Perdoe-me por sempre reclamar que você exigia muito de mim. Mas eu cansei, mesmo. Agora, cá estou e nem o seu abraço apertado vai chegar aonde estou agora. Estou aqui e estou bem, fiz porque quis. Nada vai adiantar ver seus olhos vermelhos e encharcados, se já não me sinto em paz com tem amor como antes. Hasteie a bandeira branca, está na hora.

Querido, perdoe-me. Perdoe-me por não conseguir te perdoar.

domingo, 11 de abril de 2010

Deve

Roubar-te uns anos
pra viver mais hoje
o teu dia não acaba
Foi só a noite
Mais fácil que pensar em cair
Mais fácil que crer e prever
É dobrar esquinas
E guardá-las no bolso.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Perto de uma última análise

No ônibus, uma senhora cega entrou. Na minha frente, sentou-se e aguardou. Não conseguia me concentrar na leitura, pois meu pensamento já havia tomado a forma e a essência daquela senhora. Assim como muitos acontecimentos, que para a maioria seriam banais, em mim, esse se tornou vital. Um estranho sentimento de aproximação invadiu meus olhos. Percebi, em súbito, a ligação.

Eu também não vejo, enxergo. Desde a juventude não percebo o que esta à mostra. Enxergo o que está escondido, atrás da porta, entre as linhas.

Minha atenção só seria desviada quando dois homens surdos e mudos entraram no exato mesmo ônibus. Influenciado pelo pensamento anterior, comecei a construir a segunda ligação de proximidade. Em toda minha vida, nunca falei de verdade. Nunca pude expor, por isso guardo idéias e opiniões. Abstenho-me, abstraio.

Minha fuga da realidade material chegou ao fim quando meu ponto surgiu na janela. Foi quando meus sentidos me traíram. Desci sem ver a moto ou ouvir sua buzina. E por uma fração de segundos, por milímetros de salvação, não acabei no estado mais próximo que poderia chegar dos conhecidos desconhecidos: cego, surdo e mudo.

Agora vivo a enxergar as conexões dos fatos ordinários.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Não fujas, menina

Ela foge de mim. Mas ela não sabe disso, coitada. Pobre (e tão amada!) menina vive a andar de olhos fechados por esse mundo. Seu cabelo dourado trilha um caminho deixando marca com seus fios suicidas que teimam em cair e me ajudar.

Ela foge de mim. Está quase ao meu alcance, minha mão esticada já consegue sentir as vibrações de suas digitais tão quentes. E quanto mais me animo com inédito fato, decepciono-me um tanto a mais. Ela se vira.

Ela foge de mim. Vira-se e seu rosto - que nunca enxerguei - não enxergo - só imagino. Mas que linda menina em meus sonhos! Linda e tímida, já que seu rosto está coberto por uma enorme rosa branca presa em sua orelha.

Ai minha menina que foge de mim! Não vês que estou aqui? Não vês que quase nos pertencemos? Ou será que és cega?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Acontece

Sabe quando você come e não sente o gosto? Está tomando banho e deixa a água bater em suas coisas durante horas a fio? Estava assim – apático, cansado, derrotado. Ela havia ido, fora para bem longe, sem prazo de volta. Não tinha avião, barco ou ônibus partindo para que ao menos eu fosse correr até lá e pegá-la para mim. Ela se fora, a pé, de volta pra casa, a duas ruas de distância. Um universo a nos separar.

Era domingo, um daqueles domingos vazios e tediosos. A família viajara, estava só. Sentia-me como uma criança perdida num parque de diversões. Mas de divertido aquilo não tinha nada, nem ao menos aparência. Mantive a casa fechada, escura. Não só a casa: mantive a mim mesmo fechado e sombrio.

O telefone toca, a espinha gela. Tremo só de pensar em ouvir aquela voz de rosa novamente falando “Luis, Luis, fica comigo, eu te amo!”. Talvez a parte do ‘fica comigo’ fosse até desnecessária, com um ‘eu te amo’ eu já iria a lua e voltava. Na verdade, me contentaria somente com sua voz. Atendo. Dou um suspiro. (In)Felizmente era somente minha mãe dando recomendações daquelas que se ouve todo dia e não se aprende nunca.

Minha frustração me deixou melancolicamente feliz. Não restara raiva, apenas continuava amando-a. Muito. Ansiava por ouvir sua voz, sentir seu cheiro.

Era baixa e tímida, revelando a mesma doçura que sua voz já denunciava. Só era assim, tão doce, aos olhos alheios. Sua doçura aparente não a transformara em alguém trouxa e calma, ela era uma mulher forte, animada, com seus valores bem definidos, nervosinha e briguenta. Gostava de futebol e da vida que levava quando ia aos bares beber cerveja com os amigos. Mas nem por isso deixava de ser tão feminina. Demonstrava isso num olhar, num estado momentâneo sentimental. Sempre meio Clara.

Enquanto mantinha-me submerso em minhas lembranças, a campainha tocou. Atendi a porta do jeito que estava: largado, com cara de sono e samba-canção. Nada mais me importava, só Clara. E ela já tinha me visto acordando com essa samba-canção muitas vezes. Abri a porta. Era uma moça.

Por um momento senti-me envergonhado. Meus cabelos desgrenhados, a remela no olho e a samba-canção denunciam a derrota de um derrotado. E ela ali, parada na minha frente, com um sorrisinho no rosto. Pedia-me açúcar. Com vergonha e confuso, a fiz entrar.

Não tinha reparado em seu jeito. Era baixinha, talvez mais que Clara, cabelos escuros, estilo mignon. Seus olhos escuros davam um charme maior do que se fossem verdes. Ela observava o ambiente enquanto esperava o açúcar com um potinho na mão.

-Perdão, mas o que faz aqui no escuro? O céu está tão lindo lá fora
-Decepção, coisas da vida.

Ela riu abaixando a cabeça. Um risinho sem graça. Seu olho virara um mar. Olhou bem a fundo de meus olhos.

-Desculpe, não pude evitar. A vida é, realmente, estranha. E o açúcar?

Entreguei-a o que havia pedido. Ela foi embora, e, ao virar o corredor, deu um tchauzinho em sinal de agradecimento, olhando bem em meus olhos, com os olhos ainda encharcados. Ela tinha algo de Clara.

Acontece.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Obrigada, caro Vinicius

Não era amor, era fogo. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era brincadeira de criança. Uma hora tudo acaba, tudo muda. No entanto, ninguém nunca pensa que possa acontecer com si próprio. O término é terrível, ‘são demais os perigos dessa vida pra quem tem paixão’.

De repente, sem que ninguém perceba, o sopro da rotina chega: quem não se acostuma ao cheiro do outro, a sombra aos hábitos? E essa onda cresce, cresce e vai crescendo. Quando já só se diz o necessário, já era. Desiste. O amor abrandou, a paixão acabou. Não se vê mais a beleza do caminhar da menina de Ipanema, dos fins de tarde no Arpoador, na vista do Cristo Redentor.

Mas como se percebe? E o susto? Uma bela hora se está em casa, contente, assistindo à tevê e almoçando no sofá. Na outra acabou, sumiu, evaporou. Está-se sozinha, está-se livre. Mas não se sente assim. Sente-se mais presa ainda, e mal. ‘De repente, do riso fez-se o pranto’ foi um soco no estômago.

Onde foi parar a beleza do Rio de Janeiro, o canto das maritacas e o balé das gaivotas? Depois do soco vem, além da dor, o enjôo, a falta de apetite. E, então, você, mulher sentimental e orgulhosa, que não admite depender sentimentalmente e psicologicamente de um homem, se tranca em casa. Fica lá, dias e noites, se perguntando o que fez de errado.

Vem o furacão e a tempestade na sua vida. Mas depois da chuva vem o sol e o céu azul. E você está pronta para voar de asa delta novamente, voltar à vida boêmia da Lapa e ser a mais nova ‘Garota de Ipanema’, a ‘coisa mais linda, mais cheia de graça’ que o Rio já teve.



Por Thais Lourenço